domingo, 24 de março de 2013

Posse na Academia de Letras de Vassouras


No dia 5 de março, ocorreu minha posse como membro titular na Academia de Letras de Vassouras. Momento de muita alegria para mim, para minha família e amigos. Abaixo, algumas fotos desse momento e o  meu discurso de posse.

O Jornal Tribuna do Interior, de Vassouras, cobriu o evento. A versão on line está aqui, e pode ser conferida a reportagem: http://flip.siteseguro.ws/pub/tribunadointerior/

















DISCURSO DE POSSE DE PAULO AVILA – ACADEMIA DE LETRAS DE VASSOURAS, em 05 de março de 2013.

É com imensa alegria que ocuparei a cadeira nº 21 desta nobre Academia de Letras, a qual visitei pela primeira vez há aproximadamente 7 anos. Nunca imaginei que me tornaria um dia um acadêmico. Eu era apenas um jovem apaixonado por poesia, porém com grandes sonhos, como é próprio da idade.
O patrono da cadeira que ocuparei é Iberê Gilson. Geralmente, os homens e mulheres ligados à arte são contemplativos, sonhadores, sensíveis ao extremo. Iberê Gilson foi assim: um homem ligado às artes, que publicou livros de poemas e crônicas. Mas foi também um homem de ação, ajudando o Brasil a crescer e se modernizar entre as décadas de 40 e 70. Estudou muito as áreas de Administração, Economia, Contabilidade e Direito, obtendo o grau de Doutor. Dessa forma, muito colaborou na Administração Pública, em altos cargos do Governo. Também se destacou na vida acadêmica, atuando como professor na UFRJ e na Universidade de Brasília.
Viver pela arte é um encanto. E é essa palavra que traduz a vida de Jacques Levin, imortal que ocupou a cadeira nº 21.
Segundo o dicionário, “encanto” é a “ação de encantar, de enfeitiçar por meio de supostas operações mágicas. Coisa maravilhosa, de sedução irresistível. Pessoa que encanta. Qualidade da pessoa ou coisa, que agrada em extremo”. Entrando em contato com sua obra, pude sentir esse encanto poético.
Jacques Levin nasceu no Rio de Janeiro em 02/07/1946. Graduou-se em Engenharia e colaborou nos projetos de expansão da indústria siderúrgica. Mudou-se para Vassouras em 1986 e trabalhou como professor universitário até 2000.
Graduou-se também em Medicina, em 1993, e se especializou em Acupuntura. Colaborou na implantação do programa Saúde da Família. Percebemos assim que Jacques Levin tinha algo em comum com o nosso patrono Iberê Gilson: ambos foram homens ligados à arte literária, produziram, mas também ajudaram de alguma forma com a sociedade. O artista, embora seja subjetivo, pensa globalmente. Como já disse, homens de ação.
Mas conhecemos um imortal por aquilo que ele produz, e Levin produziu muito. Em 1976, publicou um conjunto de poemas intitulado “Jogo o teu jogo” numa edição mimeografada, sob pseudônimo de Joel Dantas (100 exemplares foram distribuídos em mãos, como era costume naqueles tempos).
O livro pode ser encontrado na íntegra em um site na Internet. Um grande achado, uma relíquia, que mostra o dia a dia, as questões sociais, o mundo pós-moderno. Vale destacar o poema-título:

Jogo o teu jogo

Enquanto não pego
A tua jugular
Pois sob o teu jugo
burguês,
separar
É duro, difícil
O trigo
Do joio
O nojo
Do dia de hoje

Por isso
jogo o teu jogo
Por isso
julgo teu jogo
Por isso
Pretendo fazer-te
Desaparecer.



Em 1999, escreveu o livro “Aqueles que devem morrer”, romance que retrata bem os dias de ditadura no Brasil.
Em 2000, escreveu o livro de poemas “Propaganda da vida”. Essa é uma obra politizada e, ao mesmo tempo, reflexiva; alguns poemas são diretos, secos, mesmo assim poéticos como os grandes discursos românticos de Castro Alves, o poeta dos escravos. Podemos destacar os seguintes poemas:

POEMA ANTIGO
Dizem que o Brasil
É o país da fraude
Um país falsificado
Para inglês ver.

Os remédios não são remédios,
Não curam nada, não remediam nada,
São de farinha de milho
Misturada com goma arábica.
A polícia não policia nada,
Não quer nada, não é de nada,
E ainda diz que é mal remunerada.
O governo não governa nada,
Renunciou ao governo,
Diz que o país é ingovernável
E requer reformas já.
O dinheiro é de mentirinha,
Não vale nada, é papel pintado.
E a aposentadoria,
essa é que não vale nada mesmo,
Quando alguém se aposenta
é garantia de continuar trabalhando
Até o final dos tempos.

Dizem que no Brasil
O que funciona bem é o carnaval.
Também pudera,
É o máximo em falsificação,
Povo fantasiado,
Com brilho e lantejoulas,
Povo fingindo que é feliz,
Povo vestido de nobre,
De culote e chinó
Simulando dançar minueto
Enquanto o samba
Come rasgado.

A INFLAÇÃO DA VIDA
A vida perde o valor
E tem que passar mais rápida.

As crianças envelhecem
Bem antes de chegar aos trinta.
Crianças em tudo prematuras,
Em tudo imaturas,
Dormem pelas calçadas
Enroladas em papelões.

Seu tempo corre mais rápido,
Já nascem desempregadas,
Fazem sexo aos oito ou dez,
Aos doze são prostitutas,
Aos quinze assaltantes,
Ou cavalo, pombo correio, mastim.
Aos vinte já são defuntas,
Almas tristes, revoltadas,
Que se evolam do mundo
Sem terem experimentado a vida.

Ou será que é isso a vida?
A única vida,
A única que existe,
A única que podem conhecer.
Uma vida inflacionada,
Das crias, criaturas, crianças,
Que como as tartaruguinhas,
Tentam chegar às águas,
E morrem ao longo das praias,
Sem nunca terem nadado,
E sem conhecer o mar.

SÉCULO 21
É essa uma nova estrada,
Espaços nunca percorridos?
Teria o universo grande esperança no homem,
Ou é o homem que espera do universo?
Nau perdida, à deriva,
Pedaços de uma explosão.
É de espantar
Que num piscar de olhos
Haja vida,
Mas no piscar seguinte
O que haverá?
Um tempo que passa,
O tempo presente,
Ou nem isso.

Em 2001, publicou “Dias de Encanto”, livro de contos sobre a infância e a adolescência, pela Editora Quartet. Sim, é realmente um tempo de encanto esse período da vida em que ocorrem tantos perigos, tantos sonhos, ilusões, a perda da inocência, desejos e a certeza incerta de que tudo será – ou não – para sempre. Mas quando se é poeta, não se perde o encanto, mesmo tendo se tornado adulto. Os contos evocam tempos distantes, que ficam vivos na memória. Na verdade, o artista se recusa a crescer, quer estar sempre encantado pelas lembranças, pelas histórias, pela possibilidade da linguagem-mundo que está por toda parte, até – principalmente – nas coisas mais simples. Vale destacar o belíssimo trabalho de ilustração da capa e dos contos feito pelo acadêmico desta Academia, Sérgio Lima. Foi um trabalho em parceria que obteve um excelente resultado, em que um grande talento da poesia uniu-se a um grande talento das artes plásticas.
Foi eleito para ocupar a cadeira 21 da Academia de Letras de Vassouras em 2002. Imortal. Com a sina do encanto e de fazer encantar pela palavra. Todo poeta é gauche, é torto, como foi Drummond. Eis a sua sina pelas veredas da vida. E Levin escreveu sobre isso:


Eu sou gaucher

Mais ainda do que gauche
Eu sou gaucher na vida
gauche não tem cura, só poesia.

Em 2005, publicou, em parceria com Antonio Couto e Dionísio Teixeira, o livro “Melhor de Três”, pela Editora Folha Democrática, contendo crônicas e poemas diversos divididos pelos temas “Lutando”, “Vivendo”, “Amando” e “Pensando”.
Levin mantinha ativa uma página com seus textos diversos no site Recanto das Letras; entre poemas, crônicas, contos, cartas, artigos, pensamentos, letras de música, frases, resenhas, teoria literária etc., encontramos, ao todo, nesse site, 1171 textos! O que chama a atenção é sua versatilidade diante dos gêneros e da temática, que atravessa os terrenos do coração, faz um brinde ao amor, celebra a amizade, revolta-se diante da sociedade caótica, questiona, indaga, revolta-se, reflete sobre a vida.

Vale a pena comentar aqui uma reflexão de Levin sobre a amizade: “De tudo fica o valor da amizade. Os indivíduos amparam-se uns aos outros. Os amigos, amparam-se mais”.
Em “Espécie em extinção”, Levin reflete com ironia e bom humor sobre o homem culto como uma espécie em extinção: “O homem culto é uma espécie em extinção; também pudera, pois morrem cada vez mais homens cultos e só nascem ignorantes”.
Chamam a atenção os três últimos poemas postados no site pouco antes de seu falecimento, que mostram bem um pouco de sua inspiração, de sua arte. Três poemas reflexivos, que mostram o estado de espírito do eu lírico diante da vida.

Emoção (postado em 26/04/2012)
Tal como estar moribundo
vai a vida a cada instante
Para aonde?

Dores (01/05/2012)
dores e pavores
se confundem, cinzas dias,
chuvosos e frios.

Rio de Janeiro (02/05/2012)
Dias cinzentos e chuvosos,
por mais que olhe,
não vejo o Rio de Janeiro...

Deste último poema postado (e talvez produzido, quem sabe), podemos pensar: sendo carioca, o poeta retorna às suas origens nesses versos, como refúgio, como certeza de que precisava exorcizar suas dores. Talvez esse retorno à sua origem tenha relação com o sentimento de fim. Talvez... essa seria uma discussão filosófica, e não caberia discuti-la neste momento. Mas os dias sombrios e cinzentos podem ser metáfora para algum sentimento triste de perda, de uma vivacidade e encanto da juventude que se lhe escapava. E o retorno, na lembrança, à sua origem, talvez seja uma tentativa de ligar as duas pontas: a sua vida a um tempo de encantamento vivido quando era mais jovem. Mas não é mais possível no plano físico: os dias estão cinzentos e chuvosos e esse retorno é uma utopia.
Enfim, em 07 de maio de 2012, o nosso homem partiu. É o fim? De forma alguma. Vai o homem, fica a arte. Uma arte intensa, poética, eternizada. Encantada. Com a força de fazer encantar.
“As pessoas não morrem; ficam encantadas”, disse Guimarães Rosa em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras em 16/11/1967. Jacques Levin, portanto, um imortal, encantou-se em 07 de maio de 2012. E como ele mesmo disse: “Acho que já estou com as obras completas. De vez em quando, vem mais uma. Quando acordo, me surpreendo: mais um dia. Que beleza, vamos vivê-lo”.


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