segunda-feira, 29 de agosto de 2011

PARTES DAS ESTAÇÕES
Tendo acabado o dia,
espero o renascer da aurora
tingida de sangue e lágrimas esparsas.

Amanhecerá em mim a ternura e a melancolia
de todas as estações:
serei primavera sem flores,
verão com alguma nuvem cinza,
outono com folhas secas
e inverno que sopra confidências e lamentos.

Sinto frio,
calor,
medo
e solidão
a cada mudança de estação.

Rejuvenescido,
pródigo em ser-me e abandonar-me
como num casulo
perecível ao tempo,
renascendo
além.

Além de mim,
além do inimaginável:
flores e tantas estradas tortas
que se perderam
por toda parte.

Partes de mim
perdidas em algum lugar
que nem sei.

Partes de ti
indeléveis em mim:
fortaleza em meus braços.

Perdido,
reencontro-me
nos passos que deixei
ao teu encontro.


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AMPULHETAS DO TEMPO QUE SE PARTIU
Quando as ampulhetas do tempo findarem,
veremos os dias se passarem
em amarras,
sonolentos,
como se tudo fosse obra do acaso
entre o querer e o desejar
um novo início
que não vem.

Quando os olhares deixarem de lamentar-se
ao ver partir o trem das ilusões,
dê um último adeus,
feche os olhos,
feche o livro
e descanse.

Aceite desgraças como uma dádiva,
implore vícios e virtudes moderadas
e se contenha
ao menos
por esta
hora.

O sino toca ao longe,
longe de tudo o que parece real.
Mas o que parece realmente real?
Serei eu, que abro e fecho os olhos,
que canto desafinado, que leio feito louco,
que trabalho e escrevo por compulsão?

Ou será um outro eu,
que faz meu dia ser eterno,
etéreo,
com cheiro de éter
e de enfermaria
(convalescente das palavras desconexas,
talvez excesso de sono e de delírio)
em dias de primavera doente
e seca,
réstias de sol
e de chuva passageira.

Cego,
emudecido pelo tempo
que, em espasmos,
perde o controle,
tira-me a sanidade,
brinca de castidade,
rouba-me a inocência
e a infante decência
que se abarca no beijo
e se pendura - perdura -
nos ponteiros,
nos desvios
do destino
que fabricamos
por conveniência
e alguma prudência.

Quebra-se o espelho do narcisismo.
O eu subjetivo retalha-se em perjúrios
e romantismo tuberculoso
em estado terminal.


sábado, 27 de agosto de 2011

PAIRANDO
Por aí
paira um tempo
perdido,
pérfido,
partido.

Tempo de loucos,
de horas marcadas,
de cartas na mesa,
de segredos revelados
sob o véu da pureza.

Tempo de saudosismo,
de achismos,
de contas atrasadas a pagar,
de anseios e solidão
numa sala de cinema ou num bar.

Tempo de esperas
que não se pode mais esperar,
nem aqui nem em outro lugar,
pois a vida grita e, não-liberta,
quer se emancipar.

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ANTES E DEPOIS
Perdi-me.
É estranha essa sensação de não me ter.
Parece que nada será como antes.
Mas como era antes?
Não me lembro...

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VOO DO CORAÇÃO
Asas do limite...
Gaivotas singram céus e mares...
Parecem o meu coração
que voa por toda parte.

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RETRATO
Não tenho direção,
apenas me acostumei
às pétalas que a roseira morta,
despedaçada,
chorou.

Não percebi
que meu erro era meu medo,
minha casa, santuário
e meu sorriso, um retrato na parede
que ninguém pintou,
ninguém viu,
ninguém quis.

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SENSABOR
Tenra idade
já amadurecida.
Fotos recentes,
fronte enrijecida.

O olhar
num recanto,
numa estação.

Os lábios,
num beijo,
doce ilusão.

No relógio,
o querer,
o ser,
o sentir
em tom blasé.

Cascas, folhas secas.
Marcas do que ficou
e do que virá a ser,
sem ser,
sem saber.

Dor...
doa a quem doer,
sem favor,
pelo interior
sensabor.

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PARTIDO
Maculei a alma
com vasos de flores,
incensos
e o teu sorriso.
Senti-me tão feliz!

Na solidão do quarto,
encontrei-me
a esperar por ti.

Sem tua presença,
falta-me uma parte,
um aparte,
um terço
de mim,
restam-me
rosários
e lamentos.

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GUERRA EM MIM
Aglutino perdas,
pecados,
danos
e contramão.

Revelo-me inteiro,
falso mosaico de dúvidas e imperfeições
desprezando intenções
e convenções.

Meio cético, meio cristão, meio niilista,
um pouco de tudo, nada e um pouco mais,
sendo contraditório em mim
e inventando fugas
em matas virgens
e queimadas.

Fugindo
e equecendo-me de quem eu sou:
um desatino,
um transtorno bipolar passageiro,
como dor de cabeça,
como castigo,
punição
e absolvição.

Uma bandeira da paz
hasteada
em meu coração.
Trégua em tempo de guerra.

Guerra em mim.


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

INVERNO SEM FIM, INVERNO EM MIM
Nada vejo.
Pareço qualquer um
na multidão de cegos.
Parece de vidro o céu
quebrando sobre nossas cabeças.
E abaixo de nós?
Não sei.

Rostos incrédulos e indefinidos,
tristes, deprimidos, soturnos.
Caminho só.

Caminhamos sós.
Estamos a sós
na multidão.

Solidão
num solstício febril.
Flores doadas
por engano,
enfadonho,
prossigo.

Sem destino
acato ordens não dirigidas a mim.
Sem pormenores,
a vista cansada
descansa
sob o luar.

Mas...
não há lua,
tudo está cinza.
Frio,
vento,
chuvisco.

Ainda é inverno
em mim, em nós,
na estação...
e nada podemos fazer.


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CÉU E MAR
Da ilusão infinda,
o fim dos sonhos
em quebra-mar
e vazios doloridos.

Da fatalidade sem Deus,
um ônibus escolar,
uma bomba-atômica
no jardim de infância:
flores mortas.

Da alma cansada,
o despertar,
o lamentar,
em doses de licor,
sem cor,
hidrocor.

Em ruínas perpassado,
em agonia deflorado,
desequilibrado,
amor sem paixão,
dias que virão,
a vida...
essa prisão.

E o mar...
seria rimar para amar?...
Céu, mar... celamar... amacéu.
Misturado de cima a baixo,
o azul,
o infinito que se perde
no puir do poente
que adormece
e me enternece.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011



CÉU DE SANGUE
Respiro fuligem e solidão...
Sinto-me assim:
um na multidão,
flor no concreto,
pássaro sem direção,
sem norte,
sem verão.

Aspiro à glória decadente...
Sinto-me assim:
passado recente,
veterano inveterado,
sobrevivente do Vietnã,
sem pernas,
sem pátria,
sem nada.

Pária do mundo,
parte do todo,
multiplicado,
excesso,
regresso,
ordem e progresso
(bandeira desbotada).

Passos,
paisagens vãs que se vão
levam meu olhar.
Permaneço aqui,
incrédulo,
imóvel,
entre o desespero
e a candura.

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UM ÚLTIMO OLHAR
Perde as esperanças,
por favor.
O passado passou,
o futuro não vem.
O presente?...
Ah, esse não me diz nada!...

Corre por caminhos obscuros,
derrama lágrimas
(as suas últimas, por sinal)
e escreve uma carta
(suicida, amorosa, de saudade, não importa).

A vida passará como um pesadelo doce,
após o amargo da dúvida,
como se oca a vida fosse.
 
Certezas nunca teremos.
Morreremos um dia,
numa primavera melancólica
cuja brisa acaricia as folhagens tenras.

Sim, morreremos numa primavera
(que bela estação para morrer!),
sem glória,
sem flores,
sem dores,
sem história.

Apenas uma canção triste
será a trilha-sonora
em compassos fúnebres,
sem sintonia,
sem amanhã,
numa despedida
serena,
sincera,
suave quimera.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Pobre pobremente

Venta sem ventar,
sofro sem sofrer,
morro sem morrer,
falo por falar.

Rimo pobremente...
Pobre de mim!
Em palavras dormente,
demente.

Atraso-me...
punição e pesar.
Em sonhos recolho-me
cansado de esperar.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

CANSAÇO
Cansado.
Triste.
Um mundo nas costas;
nas mãos, uma prece.

Em voz alta
emudeço
um grito
morto
pós-
mim.


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QUEDA LIVRE
Quedo-me
em queda.
Quero a
quimera.

Quando
se fará
dia?

Quem
me dará
sombra?

Numa futura
primavera
severa
sob cactos
descanso,
dou-me
remanso.

Extasiado,
extenuado,
mutilado,
isolado
do mundo,
de tudo,
de mim.

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FIM
Estio,
fastio,
esguio.

Semblante triste
sob um céu lilás
flamejante...

Prossigo
cantando
desafinado,
descalço,
ferido.

Longo caminho.
Fiquei para trás.
Parei.
Pensei.
Abismado
num abismo
estarrecido,
estagnado,
instável.

Choro seco.
Lágrimas secas.
A boca seca.
O olhar seco.
Eu, seco.

Redundante.
Andante.
Tão desanimado
que seria uma bênção
se,
neste dia em que crianças inocentes
brincam no jardim,
o mundo acabasse
pelo menos para mim.


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

TÊMPERA DO TEMPO
Poucos sonhos.
Pecados jogados ao vento.
Pela janela, adeuses e despedidas.
Tudo normal, tranquilo, irreal.

Venta vento vendaval,
folhas do outono
em outra estação.

Fala falácias,
emudece segredos,
jorra lágrima
seca.

Pensa.
Reflete.
Suicida.
Retrocede.

Ainda assim
desfalece,
acorda
do sonho
de um sonho
de outro sonho.

Regurgita, em transe,
pequenas desarmonias,
traços de tudo em nada.
Sê pardo,
parco,
passo,
pasto,
opaco.

Separado.
Sê mórfico intuitivo.
Boçal,
bucal,
beijo,
rijo.

Catastroficamente,
insano e são,
reparo reparos,
cortejo prostitutas virgens
em plena catedral.

Olho cegamente.
Extravio rotas,
rosas
roxas
em postais.

Extravio-me
do certo,
do politicamente correto.

Amo-vos, marginais,
heróis do absurdo,
anjos da morte eterna.

Amo o erro,
a desvirtude,
o desregro,
a cara suja após o banho
diante do espelho,
dos estilhaços.

Na insônia adormeço.
Pondero.
Busco limites
no infinito que se abre
por trás da janela.

Sou louco,
poeta,
ladrão de rosas de santos
no altar.

Ínfimo,
ignóbil,
anônimo,
desconhecido,
desprezado.

E, num momento derradeiro
de lucidez,
faço-me novo
de novo
envelhecido
e enrugado
pelo tempo -
esse senhor senil e caduco
que me aprisiona em histórias
de um passado-fantasma.

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ADORMECIDO
Então,
pena, pensa e despensa.
Despenca em queda livre
do alto do seu prédio de ilusões
derradeiras e passageiras.

Ouve o tilintar da goteira na pia,
a monotonia do relógio,
os cães que ladram nas ruas.

Ouve.
Só ouve.
Só pena.
Pensa.
Despenca.

Desfigura a imagem
que têm de ti:
ela é falsa
e não convém.

Antes promove desordens,
mancha a pureza
com pedaços de pecado,
como um pouco de lama
jogada por algum menino de rua
no lençol branco que estava no varal.

Ah... adormece em pesadelos,
em paralisia do sono,
em paralisia moral,
em infortúnios
e vagas lembranças.

Adormece...
adormece...
adormece...

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SONHO PUERIL
Meu sonho
        de
        criança
        tímida
          des
             pen
                cou-
s
e

r
o
l
o
u

e
 s
  c
   a
    d
     a
    
a
b
a
i
x
o

como
uma
    o
b      l
    a

que
se
perde
no
T e m
p
o
em câmera  l  e  n  t  a...

Como um
trem trem trem trem trem
que
se
v   a   i
e
não
volta
m a i s...

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ANOITECER DE MIM
Refém de mim.
Recantos da alma.
Receios.
Recaídas.
Réquiem.

Em plena praça pública
cato os restos do dia
e permaneço
mudo,
imóvel.

Anoiteço.