terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Livro de poemas DEVANEIOS, de Paulo Avila



Lançamento em janeiro de 2012.

Clique na capa para vê-la ampliada e para ler os textos das orelhas e da contracapa.

DESPIDO E DESCRENTE

Despi
a palavra
nua e crua
em metáforas
e luzes diáfanas
na escuridão de mim.

Descri
o homem
que se fez
pobre e voraz
sozinho e incapaz
nos pântanos de mim.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

CANSAÇO, DESÂNIMO...

A vida se fragmenta entre melancolias e noites vazias.
Tudo se vai, tudo se transforma em doenças da alma pós-moderna,
pós-eclipse, pós-tempestade, pós-nuclear
no coração descompassado.

Treze luas, treze noites, treze mortes:
destinos traçados
sem memória de mim,
amnésia anacrônica,
diacrônica.

Estado de letargia.
Os braços pesam, as pernas pesam, a vida pesa, é peso, é dura,
inválida, tardia, seca, desfolhada, despetalada,
entre o vir e o porvir
da aurora sem amanhã,
assassinada, jogada na sarjeta da consciência perdida
por aí, por aqui, por vir...
por fim.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

INTENSO
Sol a pino,
coração em queda,
perda de sono,
nevralgia,
intenso,
tenso
entre
achados
e perdidos.

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FEBRE
Seguem medos
pelo caminho trágico.
A estrada se parte,
reparte,
enquanto penso
e peso
pesares,
pulsando nervos da alma,
fervente,
incandescente,
delírios de uma febre
que não passa.

........................................................................................................................................


DESENCONTRO
A angústia está perdida.
Sinto falta de uma tristeza leve
como chuvisco que toca de leve o rosto
e se mistura à lágrima.
 
E, junto com a angústia,
perde-se o sonho,
acorda-se,
colhem-se realidades pelos cantos
ao acaso,
sem espanto,
sem espera,
sem presente,
presença ausente.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

PARTES DAS ESTAÇÕES
Tendo acabado o dia,
espero o renascer da aurora
tingida de sangue e lágrimas esparsas.

Amanhecerá em mim a ternura e a melancolia
de todas as estações:
serei primavera sem flores,
verão com alguma nuvem cinza,
outono com folhas secas
e inverno que sopra confidências e lamentos.

Sinto frio,
calor,
medo
e solidão
a cada mudança de estação.

Rejuvenescido,
pródigo em ser-me e abandonar-me
como num casulo
perecível ao tempo,
renascendo
além.

Além de mim,
além do inimaginável:
flores e tantas estradas tortas
que se perderam
por toda parte.

Partes de mim
perdidas em algum lugar
que nem sei.

Partes de ti
indeléveis em mim:
fortaleza em meus braços.

Perdido,
reencontro-me
nos passos que deixei
ao teu encontro.


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AMPULHETAS DO TEMPO QUE SE PARTIU
Quando as ampulhetas do tempo findarem,
veremos os dias se passarem
em amarras,
sonolentos,
como se tudo fosse obra do acaso
entre o querer e o desejar
um novo início
que não vem.

Quando os olhares deixarem de lamentar-se
ao ver partir o trem das ilusões,
dê um último adeus,
feche os olhos,
feche o livro
e descanse.

Aceite desgraças como uma dádiva,
implore vícios e virtudes moderadas
e se contenha
ao menos
por esta
hora.

O sino toca ao longe,
longe de tudo o que parece real.
Mas o que parece realmente real?
Serei eu, que abro e fecho os olhos,
que canto desafinado, que leio feito louco,
que trabalho e escrevo por compulsão?

Ou será um outro eu,
que faz meu dia ser eterno,
etéreo,
com cheiro de éter
e de enfermaria
(convalescente das palavras desconexas,
talvez excesso de sono e de delírio)
em dias de primavera doente
e seca,
réstias de sol
e de chuva passageira.

Cego,
emudecido pelo tempo
que, em espasmos,
perde o controle,
tira-me a sanidade,
brinca de castidade,
rouba-me a inocência
e a infante decência
que se abarca no beijo
e se pendura - perdura -
nos ponteiros,
nos desvios
do destino
que fabricamos
por conveniência
e alguma prudência.

Quebra-se o espelho do narcisismo.
O eu subjetivo retalha-se em perjúrios
e romantismo tuberculoso
em estado terminal.


sábado, 27 de agosto de 2011

PAIRANDO
Por aí
paira um tempo
perdido,
pérfido,
partido.

Tempo de loucos,
de horas marcadas,
de cartas na mesa,
de segredos revelados
sob o véu da pureza.

Tempo de saudosismo,
de achismos,
de contas atrasadas a pagar,
de anseios e solidão
numa sala de cinema ou num bar.

Tempo de esperas
que não se pode mais esperar,
nem aqui nem em outro lugar,
pois a vida grita e, não-liberta,
quer se emancipar.

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ANTES E DEPOIS
Perdi-me.
É estranha essa sensação de não me ter.
Parece que nada será como antes.
Mas como era antes?
Não me lembro...

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VOO DO CORAÇÃO
Asas do limite...
Gaivotas singram céus e mares...
Parecem o meu coração
que voa por toda parte.

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RETRATO
Não tenho direção,
apenas me acostumei
às pétalas que a roseira morta,
despedaçada,
chorou.

Não percebi
que meu erro era meu medo,
minha casa, santuário
e meu sorriso, um retrato na parede
que ninguém pintou,
ninguém viu,
ninguém quis.

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SENSABOR
Tenra idade
já amadurecida.
Fotos recentes,
fronte enrijecida.

O olhar
num recanto,
numa estação.

Os lábios,
num beijo,
doce ilusão.

No relógio,
o querer,
o ser,
o sentir
em tom blasé.

Cascas, folhas secas.
Marcas do que ficou
e do que virá a ser,
sem ser,
sem saber.

Dor...
doa a quem doer,
sem favor,
pelo interior
sensabor.

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PARTIDO
Maculei a alma
com vasos de flores,
incensos
e o teu sorriso.
Senti-me tão feliz!

Na solidão do quarto,
encontrei-me
a esperar por ti.

Sem tua presença,
falta-me uma parte,
um aparte,
um terço
de mim,
restam-me
rosários
e lamentos.

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GUERRA EM MIM
Aglutino perdas,
pecados,
danos
e contramão.

Revelo-me inteiro,
falso mosaico de dúvidas e imperfeições
desprezando intenções
e convenções.

Meio cético, meio cristão, meio niilista,
um pouco de tudo, nada e um pouco mais,
sendo contraditório em mim
e inventando fugas
em matas virgens
e queimadas.

Fugindo
e equecendo-me de quem eu sou:
um desatino,
um transtorno bipolar passageiro,
como dor de cabeça,
como castigo,
punição
e absolvição.

Uma bandeira da paz
hasteada
em meu coração.
Trégua em tempo de guerra.

Guerra em mim.


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

INVERNO SEM FIM, INVERNO EM MIM
Nada vejo.
Pareço qualquer um
na multidão de cegos.
Parece de vidro o céu
quebrando sobre nossas cabeças.
E abaixo de nós?
Não sei.

Rostos incrédulos e indefinidos,
tristes, deprimidos, soturnos.
Caminho só.

Caminhamos sós.
Estamos a sós
na multidão.

Solidão
num solstício febril.
Flores doadas
por engano,
enfadonho,
prossigo.

Sem destino
acato ordens não dirigidas a mim.
Sem pormenores,
a vista cansada
descansa
sob o luar.

Mas...
não há lua,
tudo está cinza.
Frio,
vento,
chuvisco.

Ainda é inverno
em mim, em nós,
na estação...
e nada podemos fazer.


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CÉU E MAR
Da ilusão infinda,
o fim dos sonhos
em quebra-mar
e vazios doloridos.

Da fatalidade sem Deus,
um ônibus escolar,
uma bomba-atômica
no jardim de infância:
flores mortas.

Da alma cansada,
o despertar,
o lamentar,
em doses de licor,
sem cor,
hidrocor.

Em ruínas perpassado,
em agonia deflorado,
desequilibrado,
amor sem paixão,
dias que virão,
a vida...
essa prisão.

E o mar...
seria rimar para amar?...
Céu, mar... celamar... amacéu.
Misturado de cima a baixo,
o azul,
o infinito que se perde
no puir do poente
que adormece
e me enternece.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011



CÉU DE SANGUE
Respiro fuligem e solidão...
Sinto-me assim:
um na multidão,
flor no concreto,
pássaro sem direção,
sem norte,
sem verão.

Aspiro à glória decadente...
Sinto-me assim:
passado recente,
veterano inveterado,
sobrevivente do Vietnã,
sem pernas,
sem pátria,
sem nada.

Pária do mundo,
parte do todo,
multiplicado,
excesso,
regresso,
ordem e progresso
(bandeira desbotada).

Passos,
paisagens vãs que se vão
levam meu olhar.
Permaneço aqui,
incrédulo,
imóvel,
entre o desespero
e a candura.

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UM ÚLTIMO OLHAR
Perde as esperanças,
por favor.
O passado passou,
o futuro não vem.
O presente?...
Ah, esse não me diz nada!...

Corre por caminhos obscuros,
derrama lágrimas
(as suas últimas, por sinal)
e escreve uma carta
(suicida, amorosa, de saudade, não importa).

A vida passará como um pesadelo doce,
após o amargo da dúvida,
como se oca a vida fosse.
 
Certezas nunca teremos.
Morreremos um dia,
numa primavera melancólica
cuja brisa acaricia as folhagens tenras.

Sim, morreremos numa primavera
(que bela estação para morrer!),
sem glória,
sem flores,
sem dores,
sem história.

Apenas uma canção triste
será a trilha-sonora
em compassos fúnebres,
sem sintonia,
sem amanhã,
numa despedida
serena,
sincera,
suave quimera.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Pobre pobremente

Venta sem ventar,
sofro sem sofrer,
morro sem morrer,
falo por falar.

Rimo pobremente...
Pobre de mim!
Em palavras dormente,
demente.

Atraso-me...
punição e pesar.
Em sonhos recolho-me
cansado de esperar.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

CANSAÇO
Cansado.
Triste.
Um mundo nas costas;
nas mãos, uma prece.

Em voz alta
emudeço
um grito
morto
pós-
mim.


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QUEDA LIVRE
Quedo-me
em queda.
Quero a
quimera.

Quando
se fará
dia?

Quem
me dará
sombra?

Numa futura
primavera
severa
sob cactos
descanso,
dou-me
remanso.

Extasiado,
extenuado,
mutilado,
isolado
do mundo,
de tudo,
de mim.

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FIM
Estio,
fastio,
esguio.

Semblante triste
sob um céu lilás
flamejante...

Prossigo
cantando
desafinado,
descalço,
ferido.

Longo caminho.
Fiquei para trás.
Parei.
Pensei.
Abismado
num abismo
estarrecido,
estagnado,
instável.

Choro seco.
Lágrimas secas.
A boca seca.
O olhar seco.
Eu, seco.

Redundante.
Andante.
Tão desanimado
que seria uma bênção
se,
neste dia em que crianças inocentes
brincam no jardim,
o mundo acabasse
pelo menos para mim.


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

TÊMPERA DO TEMPO
Poucos sonhos.
Pecados jogados ao vento.
Pela janela, adeuses e despedidas.
Tudo normal, tranquilo, irreal.

Venta vento vendaval,
folhas do outono
em outra estação.

Fala falácias,
emudece segredos,
jorra lágrima
seca.

Pensa.
Reflete.
Suicida.
Retrocede.

Ainda assim
desfalece,
acorda
do sonho
de um sonho
de outro sonho.

Regurgita, em transe,
pequenas desarmonias,
traços de tudo em nada.
Sê pardo,
parco,
passo,
pasto,
opaco.

Separado.
Sê mórfico intuitivo.
Boçal,
bucal,
beijo,
rijo.

Catastroficamente,
insano e são,
reparo reparos,
cortejo prostitutas virgens
em plena catedral.

Olho cegamente.
Extravio rotas,
rosas
roxas
em postais.

Extravio-me
do certo,
do politicamente correto.

Amo-vos, marginais,
heróis do absurdo,
anjos da morte eterna.

Amo o erro,
a desvirtude,
o desregro,
a cara suja após o banho
diante do espelho,
dos estilhaços.

Na insônia adormeço.
Pondero.
Busco limites
no infinito que se abre
por trás da janela.

Sou louco,
poeta,
ladrão de rosas de santos
no altar.

Ínfimo,
ignóbil,
anônimo,
desconhecido,
desprezado.

E, num momento derradeiro
de lucidez,
faço-me novo
de novo
envelhecido
e enrugado
pelo tempo -
esse senhor senil e caduco
que me aprisiona em histórias
de um passado-fantasma.

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ADORMECIDO
Então,
pena, pensa e despensa.
Despenca em queda livre
do alto do seu prédio de ilusões
derradeiras e passageiras.

Ouve o tilintar da goteira na pia,
a monotonia do relógio,
os cães que ladram nas ruas.

Ouve.
Só ouve.
Só pena.
Pensa.
Despenca.

Desfigura a imagem
que têm de ti:
ela é falsa
e não convém.

Antes promove desordens,
mancha a pureza
com pedaços de pecado,
como um pouco de lama
jogada por algum menino de rua
no lençol branco que estava no varal.

Ah... adormece em pesadelos,
em paralisia do sono,
em paralisia moral,
em infortúnios
e vagas lembranças.

Adormece...
adormece...
adormece...

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SONHO PUERIL
Meu sonho
        de
        criança
        tímida
          des
             pen
                cou-
s
e

r
o
l
o
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    a

que
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perde
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T e m
p
o
em câmera  l  e  n  t  a...

Como um
trem trem trem trem trem
que
se
v   a   i
e
não
volta
m a i s...

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

ANOITECER DE MIM
Refém de mim.
Recantos da alma.
Receios.
Recaídas.
Réquiem.

Em plena praça pública
cato os restos do dia
e permaneço
mudo,
imóvel.

Anoiteço.


sábado, 23 de julho de 2011

Concreto

E assim morreram
lembranças,
andanças,
purezas,
rezas,
reses,
réu

ah,
nada
parece
ao menos
ter sentido
sentindo dor
mesmo dormente

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Panaceia

Estradas que não levam a lugar algum.
Vitimados, o sol machuca.
Ofuscados, lágrimas secas caem pelo rosto.
Prosseguimos.

Guerras,
fome,
miséria.
Nada de novo.

A vida prossegue a triste sina
entre barrancos e trincheiras,
entre mortos e feridos,
entre cinzas e o sol nublado,
entre o pensar e o esbofetear,
entre o perigo e a invalidez.

Árvores e rios imaginários.
Um barco ao longe dá adeus.
Mas não há rios, não há mar,
muito menos amar.
Não há mais vida.
Para onde iremos?

Um cão passa, não ladra;
uma mulher estende roupa no varal;
um ladrão é aplaudido no telejornal.
Tudo está normal.
Nada de novo.

Camisinha e aspirina.
Aborto e dor de estômago.
Meninos delinquentes.
Escolas e prostíbulos.
Dinheiro e esmola.
Bandido e mendigo.
Nada de novo.

Sabemos pouco do futuro,
mas conhecemos bem o presente.
E o presente é podre.
O passado foi incrédulo,
absurdo,
como o absinto abusivo,
como o Brasil e os retardados,
como o fanatismo em dias de religião,
como a profanação dos ideais.

O absurdo é cotidiano,
é comum,
é familiar.
Somos aburdo.
Nascemos assim.
Morreremos absurdo,
ignorantes,
ignorados,
ignóbeis.

Renasceremos?
Talvez...
em meio a canibais,
em meio a abutres e urubus,
em meio a um lixão,
placentas e fetos,
restos químicos,
restos mortais,
restos de comidas
de que nos alimentaremos...

E virá uma velha, úmida e tímida aurora.

sábado, 16 de julho de 2011

Receita

Rega a flor
deflorada,
despudorada,
sem amor.

Sufoca a dor
com lágrimas,
paixão,
razão.

Rasga o coração,
todas as cartas,
todas as lembranças
que ainda virão.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

PROCISSÃO DOS MORTOS-VIVOS
Um morto passava meio-morto num catre
na rua principal daquela cidade.
A multidão de curiosos acotovelava-se:
"Quem era o pobre-diabo?"
"Era jovem?"
"Tinha amigos?"
"Família? Irmãos, pais, mulher, filhos?..."
"Eu acho que o conhecia..."
"Trabalhava numa repartição pública."

Boatos, fatos, conversas e desconversas.
Ele era só mais um motivo,
um pretexto podre e decadente para atiçar a curiosidade
dos ávidos por mortes e tragédias cotidianas.
"Era só."
"Tentou o suicídio."
"A mulher o traiu."
"Endividou-se com jogatina."
"Engravidou a irmã."
"Era pobre, mas honesto."
"Morava num barraco do outro lado da rua."

O morto não podia ver os rostos
e a tudo ouvia, mas nada podia dizer,
de tantas injúrias e mentiras a seu respeito
nunca poderia se defender.

"Para onde estou indo?"
"Tarsila, onde você está?"
"Cuide das crianças!"
"Pague a fatura atrasada do cartão de crédito
que se encontra na minha gaveta."
"Me perdoe, por favor!"

A vida começa e se dissolve
entre uma noite de sono e o acordar-se novamente no útero,
desta vez repleto de vidros transparentes, consciência e lembranças.
"Sou a novidade, não pelo meu nascimento
mas pela minha hipotética morte."

O sol a pino.
Dores de cabeça intermináveis.
formigamento nos lábios secos.
"Água, pelo amor de Deus! Água!"

Ninguém o ouve.
Ele grita desesperado.

Está aprisionado no seu próprio corpo.
Ninguém nunca o ouvirá.
Nunca

Os boatos, as vozes, os zumbidos se multiplicam.
Corja miserável de curiosos mortos-vivos (ou seriam vivos-mortos?)
e urubus de plantão com um falso ar de pena e compaixão,
mas regozijando no seu íntimo sujo e fétido.

Ponto final.
Uma lágrima lhe escorre pelo rosto paralisado.
Sente seu corpo descer.
Descendo... cada vez mais.
Um baque surdo.
Está morto... mas...
Por que se sente tão vivo?
Por que a maldita cabeça funcionando?
Por que tantas perguntas, tantas angústias, tantos medos?

"Não, não, não... Isto não é um sonho!"

Escuro.
Vazio lá fora,
vazio dentro de si,
vazio, o mundo.

"Frio, sinto frio..."

Um abraço,
uma palavra sincera,
uma mão carinhosa,
um sorriso,
um Deus,
qualquer coisa.

Tudo acabado.
Tudo esquecido.
Ocaso, termo, terra fria, escuro, fim...

Morto
num estado mórbido de catalepsia.
Alguns versos carnais sobre o amor...


Quero, desnudo,
provar o amor nos teus braços, meu amor,
flor do meu jardim,
meu norte, meu início,
meu porto,
meu fim.
…........................................................................................................​......
Enquanto a primavera não vem,
sejas a minha estação de esperança!
Aquece-me com beijos, abraços e amor.
Faze de mim um servo teu,
minha Deusa, minha Vida!
…........................................................................................................​......
Há uma força que emana do teu corpo;
provo, então, do teu beijo
como um pobre-diabo moribundo
no deserto
em busca do oásis.
Sacio-me.
…........................................................................................................​.....
Corpo. Toque. Dedos suaves
deslizam pela pele, pela alma,
pela intimidade, pelos cabelos.
Ah, quero morrer após esta noite
e acordar em um paraíso mundano
habitado somente por nós dois.
Saciamo-nos.
.......….................................................................................................​.....
Calor do amor que devora e sacia
nestes dias frios em que o inverno fez morada;
no entanto, sinto a primavera em minha cama,
há flores e frutos por toda parte
no entrelace dos nossos corpos
que imploram por amar,
amor,
calor,
desabrochar,
na essência de nós.
…........................................................................................................​.....
Puro amor mundano
santo tanto tranço transo transfigurando
pecando inocentemente
provando pairando céus e infernos
gemidos e sussurros
saliva suor secreção
fim-início-fim
incessante
pequena morte
renascendo
em paz.
..........…..............................................................................................​.....
Mundo suspenso
por alguns minutos
conjuntura da criação divina
perpetuada na carne.
Espelhos no olhar eternizados
mortais em êxtase divinizados.
Nós sublimados.
Em oblação o coração.
Em oração o culto pagão.
Abençoados.
Na mente,
eternamente.

terça-feira, 12 de julho de 2011

CLAREAR
Amanhece,
sinto o despertar da aurora
diante dos meus olhos.

Comovido,
sinto uma ternura
inexplicável!...

Vivo,
colho flores,
cantos,
poemas,
e ofereço a ti,
na cama do nosso amor.

Enternecido,
beijo-te os lábios,
ternura em pétalas.

És o sol, a aurora,
o sopro de vida,
o anjo?...

Mulher ou menina,
santa ou pecadora,
juíza ou executora?

És tudo
o que quiseres ser,
pois tens meu coração.

És a vida
a germinar em uma primavera
que ainda virá.

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ROMPER-SE
Quedar-se por medo ou por cautela...
O silêncio incomoda.
Passos são dados,
alguns indecisos.

Caminhamos
por entre anônimos,
buscamos um sorriso,
mas os olhares são frios.

Braços não abraçam
antes se fecham
num mundo inútil.
Círculo vicioso.

Vago na vaga lembrança
de um meio anestésico
para esquecer a dor.

O que nos tornamos
e o que viremos a ser
um dia?

Por ora basta o eu sozinho reprimir-se
na calamidade das almas em escombros,
na iminência da rebelião das ideias
que gritam por libertação.

Mas o silêncio persiste...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Pressa

Temos pressa.
O mundo tem pressa.
Pressa de comer,
pressa de viver,
pressa de ganhar dinheiro,
pressa de ter pressa.

Nascemos com pressa.
E a pressa nos leva à morte
do corpo e da alma,
do nascer e do pôr do sol,
das flores no concreto,
das crianças raquíticas
que caminham sem destino.

Nascemos.
Morremos.
A pressa nos persegue,
nos sufoca,
nos paralisa,
nos faz perder o tempo.

Pressa pelo céu,
por algum deus,
qualquer que seja,
Deus ou Dinheiro,
Doença ou Cura,
Prazer ou Dever,
Ser ou Ter,
Consumo ou Fé,
Doação ou Poder,
Igreja ou Finanças,
Buda ou Javé,
Cristo ou Maomé.

Não importa.
Não interessa.
Não sabemos.

Temos presa
para chegar a lugar nenhum,
para chegar ao fim
mesmo sem começo.

Pressa
que nos desumaniza,
nos martiriza,
nos lança aos leões,
nos torna animais
e nada mais.

Nada mais.
Não mais.
nunca mais.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Entre a luz e a agonia

Pereço
ou padeço?
Pareço
acaso,
ocaso,
opaco.

Perco
ou parco?
Parto-me,
parvo,
pêndulo
pensante.

Agônico
ou atônito?
apático,
imploro
outrora
a aurora.

Pela fresta
uiva o vento
na réstia
inerte
de um sol
caduco.

Seco

Estou seco
poço fundo
sem fundo.

Estou seco
folha jogada
ao vento.

Estou seco
sedento
de vida.

Estou seco
seco
seco.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

À espera

Esperança na noite turbulenta,
à luz cega de lugar algum,
nos lábios roxos,
tímidos sorrisos
como crisântemos
num caixão.

Esperança prometida nos jornais,
jamais lida,
jamais proclamada,
fagulha da incerteza,
feto e flores murchas.

Esperança nos pântanos da alma,
recôndito de mim,
clareiras,
acasos,
silêncio...

À espera
observo
claustrofóbico
o germinar pudico da flor
sem amor.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Alto-mar

ALTO-MAR
Barco em alto-mar
leva meu coração,
leva sonhos,
saudades,
ilusão.

E, ao sol cinza
a se pôr,
traz incerteza,
desânimo
e alguma dor.

Ah!
Deixei minh'alma se afogar
no fundo do mar,
fiz uma prece a Deus
e só me restou o silêncio
a me consolar.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Alguns versos da meia-noite

FRAGMENTOS
Caí de um sonho perfeito
e, sobre o asfalto,
minha vida, num devaneio,
partiu-se em vários eus.

Essência multifragmentada de mim.

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PRÉ-PRIMAVERA
Acordo ou regresso.
Tenho a alma à venda
e flores na sacada.

Sinto a vida cansada
cansar-se de mim.
A saúde debilitada
requer e pede sossego.

Nada me importa,
nada me fascina,
nada me ilumina.

A primavera não virá:
morrerei antes
por entre jasmins
e serafins.

E assim,
renascerei
entre crisântemos
e damas da noite
quase murchas.

A vida parece
um fugir de si mesmo
para a ilha dos sonhos
náufragos
mortos
sem
fim.

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ANTES DO DESPERTADOR
Ai de mim,
minha flor,
deixar-te só
assim
no inverno.

Envolve-me
na cama,
no ninho,
que é só nosso.

Hibernemos,
gozemos
o amor
que sufoca,
liberta
e extasia.


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DEUSA
Profana
engana,
reza
contrito
pelas almas daqueles
que padecem no paraíso.

Pungente olhar,
deusa
que enlouquece
toda minha vida.

Fazei-me gozar,
no inferno,
no paraíso,
no purgatório,
em qualquer lugar.

Após Afrodite
serás Virgem Maria,
ídolo da carne,
devoção dos pagãos
sedentos de amor.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

DISPERSO
Morri para dentro.
Acordei entre girassóis e cataventos
que não me mostraram a direção.

Tantas promessas...
Passos em vão...
a alma cansada
na prisão chamada corpo
que quer se libertar.

Estrada que se parte,
bifurcação de ideias,
sentidos,
polissemias.

Tudo em nada,

disfunção dos sentimentos
em efeito cascata,
dominó,
temporal.

Eu
aqui

disperso
feito pó.

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ALÉM DOS MUROS DE JERUSALÉM
Há um mundo morrendo
do lado de fora da janela.
Bajulação,
subserviências,
enquanto morremos.

Instituições,
hierarquias,
faça tudo o que seu mestre mandar.

Ouça os gritos mudos das crianças que imploram
por um dia florido,
mas só há espinhos,
açoite,
mortos-vivos.

Da janela do Vaticano
mais uma bênção,
mais uma desgraça...
E Deus, onde está?
Onde estamos?
Onde haverá vida
nesse deserto repleto
de pessoas sedentas?

O que nos sobra?
Sobra o coração,
esse santuário devassado e prostituído,
maculado,
sangrado,
mas ainda com a inocência pueril
que por ora permanece.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Alguns devaneios

Breve vida,
quero-te eterna
a cada dia.

++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Transitoriedade da vida,
belas borboletas
num voo incerto
finito.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Lembranças perdidas
entre o bater da porta
e o epitáfio.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

O vento sopra,
parece contar histórias.
E eu ainda não sei nada de mim.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Por mim
seria o fim
de mim.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Enfim,
nada
faz sentido
em mim.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Sou intersecção
imperfeita
entre o que sou
e os sonhos que tenho.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Produzo
meios e subterfúgios
para me convencer a mim mesmo
de que toda consciência parte do princípio
de que não somos nada e ao nada voltaremos.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

A primavera virá!
Tudo voltará a florir
e a minha alma encontrará luz
em meio ao caos.

Desertos de sorrisos disformes,
arsenal de beijos recusados,
antagonismo de olhares,
compaixão desprezada;
esqueça tudo isso!

Tudo se acabará,
pois a primavera virá em mim
e minh'alma haverá de florir
entre o limiar de uma nova estação
e minha moribunda esperança
que muitos chamam de quimera.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

OS ESQUECIDOS E A ETERNA MARCHA DOS PÉS DESCALÇOS

Todas as oportunidades parecem vãs,
vão de entrada,
vãos da janela
que o frio desperto dispersa.

Vão-se sonhos em maremotos da alma.
A cada dia acordo vivo e sinto medo;
medo de mim, medo de tudo o que não entendo.

Vão-se sóbrios os dependentes,
doentes os sãos,
inocentes os ladrões,
ignorados os amantes.

A cada dia, a cada lamentar-se,
a cada cão que lambe suas feridas,
a cada filantropo que deposita uma moeda em sua vida,
a cada revolta, a cada inconfidência, a cada reacionário,
a cada hipócrita que reza ao Deus-dinheiro,
a cada descrente que agoniza,
a cada um que diz: foi vontade de Deus.

A cada um de nós, que espera,
que consente,
que diz sim a todas as injúrias,
a todas as perversidades,
pilantragens,
falsidades
ditas e assinadas.

A poesia tuberculosa adormece,
a doença dos românticos segue em marcha,
grita de fome, de medo, em nome da arte.

Mas não há arte quando se tem fome -
fome de comida e fome de livros.
Somos um país doente
em eterna quarentena.

A cada um de nós,
poetas ou loucos,
de amores prostituídos ou castos,

que perambulam pela vida só de passagem...
o eterno brindar àqueles que se põem em marcha
sem destino.
MADRUGADA
Perambulo
em preâmbulos,
confuso,
errante.

Extremo paradoxo,
paráfrase de mim,
paródia do mundo,
inseguro,
desigual,
reticente.

Caricato e irônico
entre mentiras e meias-verdades
inventadas.

Perto do fim,
o início de mim
enfim.
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BEM-QUERER
Quero flores na janela
e eternas quimeras
no meu jardim.

Quero dias de sol
no inverno que me consome
como inferno
ou ressaca.

Quero a doce querência
das ilusões infindas
mais que bem-vindas.

Quero o repousar,
cegar-me
para enxergar assim
o mundo
renovado.

Quero sonhar então
de olhos abertos
na possibilidade do voo
pós-libertação.

domingo, 26 de junho de 2011

Convalescente

Estive acamado,
doente do corpo e das palavras.

Mudo,
despenco-me em agonias,
palidez
e versos mortos.

Convalescente,
entre o delírio,
o desmaio
e a inspiração.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Impudico

Sem pudor,
a boca implora,

as mãos tocam,
o gozo,
atração de corpos.

Intimidade,
suavidade da pele,
contatos físicos
perpassam a alma sedenta
de desejo.

Beijos,
línguas que se encontram,
nas entrelinhas e labirintos
do nosso amor,
nosso céu particular.

Aurora

AURORA
É tarde.
Muito tarde.
Ou sou eu que escureço
e me ponho com o sol?

Faz frio.
Muito frio.
Ou será que o meu coração
congelou?

Uma brisa libertina
me toca o rosto
sussurra histórias
perdidas
pelo tempo,
pelo vento.

Além de mim,
além de tudo,
nascerá o dia,
nascerei
um dia.

Sou aurora,
crepúsculo,
hora morta,
ângelus
(Ave Maria,
cheia de graça...),
anjo,
parte de um todo.

Sou liturgia das horas,
beneditino,
monge
enclausurado,
pecado
estrangulado,
expurgo,
ex-tudo,
ex-de mim.

Sinos ao longe.
Indulgências plenárias.
Uma prece.
Recomeço.
Ergo-me,
sinto medo,
desengano,
pesar.

Luz em trevas.
Esperança.
Faz-se o milagre.
Amanheço.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Vãs e sãs

VÃS E SÃS
Coisas vãs
que se vão
são para mim
alento,
pecado
e perdão.

Coisas sãs
me enlouquecem,
me enternecem,
sabotam meu dia
com lentidão
e podridão.

Esquecimento

ESQUECIMENTO
Entrei em greve
de mim,
por tempo indeterminado;
estou fechado para balanço.
Tenho mil coisas para fazer
e não faço nada.

Tenho inúmeras contas a pagar,
tenho livros para ler que sequer vi a capa,
tenho um filho para criar (e o meu filho ainda nem nasceu),
tenho um poema maravilhoso para escrever
embora saiba que nunca escreverei.

Viajarei para longe,
longe da consciência,
longe dos problemas,
longe das injúrias,
longe de tudo o que me faz mal.

Quero um lugar onde eu possa esquecer um pouco de mim.

Medo

MEDO
Tenho muito medo
e esse medo me entorpece os sentidos,
me deixa estagnado
sem saber o que fazer.

Ah! Quanta vida deve existir além do arco-íris!
(mas ainda nem choveu...)
Quanta alegria eu encontraria no pôr-do-sol!
(mas no inverno tudo é cinza e frio...)

Tenho muito medo,
medo de mim e dos meus medos,
medo da possibilidade de sentir medo.

Hoje quero apenas o tédio e a melancolia,
quero a ilusão e a sombra de coqueiros falsos,
quero o torpor,
o sono,
o sumir-se,
quero
ser
sem
mim
no fim.

Vasto mundo vazio

VASTO MUNDO VAZIO
Deserto em mim.
Decerto estou seco.
Poeira e vento
espalham-me
por toda parte.

Saio,
finjo ser tudo,
menos eu mesmo.

Reparto-me
em cacos,
fatos.

Fecho os olhos,
acordo para mim,
sonho
insone.

Mosaico imperfeito,
muitos de mim
espalhados pelo chão.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

FACETAS
Desespero.
Desgovernado.
Qual o rumo?
Quais as ilusões?
Último versículo.
Rastros.
Mistérios.
Miséria da alma.

Eu recôndito em mim.
Impureza sem mácula.
Asas.
Voo.
Queda.
Escombros.
Erguer-se.
Facetas de mim.
Falácias.
Fauna humana.
Lágrimas.
Sem ar, sem mar.
Vácuo.
Vazio.
Nada.
Estigmatizado.
Pragmatizado.
Eu sem mim.
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PARALISIA
Deixe-me aqui,
estou bem, sozinho,
na inquietude niilista,
entre a tempestade e a calmaria.

Imperpétuo,
flores brancas no altar da desordem.
Um sorriso de soslaio.
Uma foto não tirada,
um destino enganado.
Ledo engano.

Apague de mim,
memórias,
lembranças;
preciso esquecer
diários,
torturas,
maledicências
e falsas benevolências.

Infância tardia, retrógrada e bastarda
como ervas daninhas no cimento,
no coração descompassado,
na ilusão que cai
feito chuva.

Eis a vida,
triste acaso ocaionado,
ocaso,
sem testemunhas,
cataléptica,
epiléptica,
paralisia temporária
que me persegue no sono:
fantasmas de mim em mim.

Acordo sufocado.
Ainda vivo,
transpirando
de frio.
__________________________________________________________________________________


COMPLETUDE
Completo me sinto
diante de ti.
Pareço novo,
renovado,
apesar das marcas da vida
em mim.

Completo estou
pela tua presença,
magia
que devora
minha carne
revigora
meus sentidos.

Completo vivo,
metade da minha metade.
Ressuscitado,
libertado,
sou gaivota que singra
ares e mares
em direção
ao teu horizonte.

(Minha casa,
minha vida,
meu destino.)

Sou agora completo
onde estás.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Ressurgir...

Estou aqui
no silêncio do quarto,
à meia-luz
que ofusca.

Resquícios do sol invernal
acariciando-me
bem de leve.

Momento de lucidez,
embora não me permita
abrir a janela.


Sem lágrimas
fecho os olhos,
entrego-me à doce ilusão ociosa.

Imerso em palavras e silêncio.

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Tempo de estio.
O coração plantou sonhos,

colheu apenas ilusões.

A alma consentiu,
o corpo traduziu-se
em sono e cansaço.

Tempo de amar.
Doce sorriso,
ressuscito.
 
Acordo renovado,
tenho vida em mim
absorto em ti.

Diante do teu olhar,
perco-me pelo ar,
vejo o mundo parar.


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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Raios-X da alma

Afago.
Memórias esquecidas.
Um longo tempo.
Alma enferrujada.

Das cinzas fez-se imóvel
a última quimera,
à sombra de prantos e ipês amarelos
que a luz desterra.

Impiedosa fera
que devora.
Ímpia doença
de outrora.

A um passo do arco-íris
a solidão produz imagens
que nada dizem -
abstração da alma tuberculosa.

Sufocado o grito,
o choro compulsivo
aprisionado no peito
sem efeito.

Morta a flor,
símbolo da dor;
bate à porta
a esperança morta.

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Etérea ilusão desnuda
que a tudo inunda,
sobrevive a cada vã descrença.

Desgraça pós-moderna
que a ânsia de vômito revela
como sobrevida anêmica.

Preâmbulos,
pêsames,
pêndulos,
desalinho
e caos.

Tentação sob os véus,
cabala dos aflitos,
a cada esmola,
a cada migalha,
rebuscando a fala
muda e incômoda.

Em farrapos,
a agonia das horas
de um relógio parado.

O ar adocicado,
cheiro de morte,
o frio que congela a pele.

Escuro e nada.
As janelas batem com o vento,
murmúrios longínquos
martelam o inconsciente
a agonia insana,
demente.

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Martírio em minh'alma
sedenta de vida.
Quero o eterno recomeçar
mesmo que fugaz,
na alvorada da insônia.

A alma indômita,
selvagem,
multiplica-se
em paródicas certezas
inverossímeis.

Fábula dos bandidos!
Retratação dos insubordinados!
Insultos glorificados!

Oh, vida insensata!
Renasceremos para o nada
na aurora que vaga
e infame nos cega.

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Minha flor,
tens beleza e força,
disciplina e sinceridade.

Tens beijos que me enlouquecem,
tens o sorriso mais belo,
a doçura que emudece.

Ah! Quanto ainda temos juntos,
quanta vida,
quanta esperança,
quantos sonhos nos esperam
nesse trem da eternidade
que abarca o coração!...

Na experiência das borboletas,
voaremos assim,
libertos de juízo,
na essência apaixonada,
que brota em nosso jardim.
 
Ah! quanta vida,
quanta beleza -
efemeridade do eterno
que habita em nós!...

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Algumas (des)inspirações da alma

As palavras gotejam,
tomam vida
pré-casulo.

A alma pueril
pastoril
de poeta
se manifesta.

A vida,
muito além da inspiração
envereda-se por aí,
nuvem em céu azul.

Possivelmente
ardo em febre e paixão,
por ter em mim
a magia
da poesia.

Doce invocação,
incansável peregrinação
a cada verso,
a cada rima desfeita
pela emoção
de poetar.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Sonho.
Transpiro mais que o normal.
O sono leve e inconstante.
A manhã fria acorda
e me acode
sem razão.

Levanto-me a duras penas.
Olho-me no espelho.
Não me reconheço.
Sou o mesmo, mas sou outro.

Envelheci?
Morri?
Decerto, não.

Porém, algo em mim mudou,
metamorfoseou-se.

Sou cópia perfeita de mim,
infância tardia,
retrocesso,
pesadelo juvenil.

Venço o medo,
a timidez.

Reinvento-me.
Tardo.
Escurecido em memórias,
fantasmas,
vazio.

Aglutino,
reparto-me.

O que sobra?
Eu.
Inteiro
em sonhos decepados.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Desfalece a última esperança.
O corpo cansado espera.
Ai de mim resistir
à minha própria vontade.

Perece a fina flor
em terra árida,
imoral.

Desterra o mito,
narciso
sem espelho.

Deduz.
Pondera.
Crianças na calçada.
Sirenes.
Para casa,
todos para casa.

Ficção em tempo real.
Vigie.
(Quem? Por quê? Onde?)
Minhas condolências
aos filhos da puta marginalizados
que fedem em seu peito murcho
não nascidos, escarrados.

Triste e belo destino.
Trocados.

O pão nosso de cada dia dai-nos hoje.
Caiamos em tentação.

Um grito.
Escuro.
Sangue.
Fodam-me - é o que ela grita,
com lágrimas de medo,
com o desejo prostituído,
com o hálito faminto,
sem passado, sem presente, sem futuro aparente,
sem glória, sem certo e errado.

E a ciranda continua girando viciosamente.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Eu sei.
Minha poesia não tem sabor,
minhas palavras são duras
e sem pudor.

Não são límpidas,
muito menos apaixonantes.

Meus ideais são mundanos.
Minhas ideologias, transgressoras.

Mas entendas, meu bem,
o amor transborda em mim
e em oferenda me faço teu.

Podes me provar,
podes me devorar,
podes fazer de mim
tudo o que quiseres.

Sou teu,
num laço eterno,
eterna primavera
a despontar diante de nós.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Reflexões da alma

Espectro triste de mim,
eu transfigurado,
estado da alma.

Ilusões infindas,
timidez incessante,
amarguras e agruras.

Dias que se repetam,
um arco-íris
em pleno inverno sem chuva.

Mais uma ilusão
ou são meus olhos de quimera
na madrugada febril como gelo?

Ultrapassado o limite
entre o real e o auto-sustentável,
sobrou o meu coração esquecido na estrada.

Sou um tolo, eu sei,
ouvindo tragédias e canções tristes
para me esquecer de mim.

Mas no fundo
é tudo uma forma
de me encontrar novamente.

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Antes que a madrugada perca o brilho da aurora,
antes que o dia vire lixo sem motivo aparente,
perca-se na lápide dos sonhos tortos e esquecidos
sem uma flor jogada por amor ou amizade.

Quantos caminhos deixamos de percorrer
por medo e ausência de coragem,
esperança ou Deus...

Quantos deuses há em mim!...
Como eu poderia ser forte
sem os dogmas de minha criação tradicional.
Ah! quero os riscos, os pecados, o pecado original,
quero o mundano correndo em minhas veias!...

Quanta poesia há no sem saber do universo,
quanta quimera há no caminho largo,
quanto desejo se foi por insegurança!

Dói a vida em silêncio (que grita, que agoniza, que quer ser viva!),
uma vida que cose na cadeira de balanço no alpendre
esperando pelo pôr do sol que nunca se vai.
(É um dia que agoniza sem fim.)

Não, não, não, não...
Nunca se vai.
(Oh, infortúnios da solidão!)

§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§

Agenda tua morte,
mas antes rasga tuas cartas, teus escritos,
incinera teus pertences, tuas lembranças.

Vê que o tempo passa num segundo,
e as pegadas foram levadas pela ressaca,
pela ausência da benevolência...

Onde estou?
Jurei por Deus nunca mais perguntar,
mas nunca fui tão religioso assim.

Quero voar, ser levado pelo vento,
pelas lembranças,
perder-me de mim.

Quero a liberdade
dos escravos pós-abolição,
quero a virgindade do futuro impuro.

Calem as vozes na minha mente,
sosseguem no peito essa opressão,
amanhã virá o sol.

E se não voltar
o que faremos então?
Faremos da luz vida nova?

Ressurgiremos
após a tempestade inventada 
pela bruma leve da ilusão proibida.

§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§

Péssimo dia para se morrer de poesia,
para ficar num canto em solidão,
quando se pode inventar um céu,
inventar um Deus só para si.

Lágrimas são rios que logo secam
em olhos já incrédulos.
Sinto pena.
A mão trêmula.
As palavras que escapam,
vacilam,
duvidam de si,
fingem ser música,
ferem a alma.

A alma... ah! a alma!...
seca e amarrotada,
embalada pelos momentos vãos,
pelos imortais,
pelos poetas,
pelo consolo,
pelo abrigo,
pela maldição
de querer e não poder ser
poeta
e sua vida traduzir-se
em versos livres e brancos,
rebeldes,
libertos da austeridade
da métrica e dos ritmos.

Por isso sigo arrítmico,
errante por escolha,
anjo,
demônio,
vendaval
que destrói telhados
e cabelos de moças vaidosas.

Ah, sou alma e coração
a pulsar pelos ditosos descaminhos,
preso à minha alma gêmea,
único consolo pós-ventre,
âmago,
deusa,
anjo.

Oh, Deus!
Revela-te pela poesia,
liberta-me da agonia,
sem freios e teologia,
num culto pagão à flor.

A flor...
debilidade do poeta tuberculoso
em tempos pós-modernos.

A vida me sorri:
este é um grande dia.
Ergo-me capaz e renovado.
(Um avião sem direção cruzou o horizonte
em queda livre contra meu destino.
Ah! Quanta vida útil eu poderia ter sentido
em minhas entranhas!...)

Talvez amanhã
recolham-se os restos,
façam remendos
da vida.

Talvez amanhã
ou depois de amanhã
amanheça
(maldita agonia,
santa ansiedade),
num futuro do pretérito sem fim,
em mim.

sábado, 28 de maio de 2011

Alguns estados da alma em versos

A alma agoniza, sente medo...
Sonhos mortos pela estrada.
Sem inspiração, prossigo desanimado.

Cantos e contos pelos cantos.
Modernidade pós-moderna
em mim, em ti e em quantos mais de nós?

Sem triunfo, persisto,
insisto
mas a vida é uma grande piada.

**********************************************************************************

Acordei incrédulo,
ainda crente,
desfeito em amarras,
caótico
ou católico?

Cético contrito
em orações mundanas -
corpo,
seios,
pernas,
sexo,
anjo.

Vênus,
Virgem Maria,
devaneando em mim.

***********************************************************************************

Decerto fui várias almas.
Talvez eu não saiba ao certo
quem eu sou.
(Sou mesmo repetitivo em sentimentos.)

Estranho-me no espelho.
Desejo palavras mudas,
silêncios incômodos,
pecados e absolvição.

Estradas vadias,
lamaçal no jardim
de flores outrora vivas
(hoje mortas e enterradas em meu túmulo).

Sem graça
perpetuo quimeras,
esquecido até por mim
promovo a revolta nazista dos que foram esquecidos.

***********************************************************************************

Para mim, o tempo se fechou,
parou,
mudou de estação
e partiu.

Para mim, o frio ficou,
esmagou sóis e flores,
congelou meu coração
e me beijou com lábios de gelo.

Para a vida, mais que um vinho,
mais que um palavrão,
mas a taça quebrou
e a boca calou.

Para a vida, o embriagar-se de quimeras,
a morfina que enternece,
paliativo para a dor:
a própria dor.

***********************************************************************************

Não, não sei de nada.
Tenho certezas de que duvido.
Tenho um nome que já esqueci.
Tenho uma vida que não é minha.

Não, a porta bateu.
Fechei a janela por causa do vento.
Matei um inseto que entrara por engano.
Pensei em nada, e o nada se fez em mim.

Não, o telefone tocou e não atendi.
A campainha tocou e não atendi.
a morte me chamou e não atendi.
Fugi como quem foge de si.

Não, não tenho palavras agora.
Os mortos estão mortos na televisão.
E o coração desenganado?
E as mentiras que contamos?

Não, faça um favor para mim.
Esqueça quem eu fui e o que me tornei.
Abra a cabeça, feche a emoção.
Estamos longe de casa.

***********************************************************************************

Até que enfim escureceu
para me fazer clarear a alma
na solidão das palavras
que piscam como estrelas
hibernando.

Queira o vazio
e a canção que não para de tocar
num lugar distante
que ninguém sabe,
que ninguém entende.

Talvez seja a voz do silêncio,
a voz que ecoa do fundo do coração,
a voz da alma cansada,
a voz que implora,
que fenece.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Niilismo da Alma


O nada me consome.
Tenho sentido falta de tudo,
menos de mim.

Tenho feito planos impossíveis,
planos de morte,
planos de sonhos.

Tenho feito tudo errado,
tenho andado mais triste que de costume,
tenho me sentido vazio, oco.

A vida segue um rumo diferente do meu.
Estou na contramão
ou será que virei de costas para a vida?

Traí a minha própria confiança,
sou assim mesmo,
validade vencida.

As rosas no caminho morreram,
só tenho vontade de chorar
e esquecer quem eu sou.

(Paulo Avila - 26/02/2011)