sábado, 23 de julho de 2011

Concreto

E assim morreram
lembranças,
andanças,
purezas,
rezas,
reses,
réu

ah,
nada
parece
ao menos
ter sentido
sentindo dor
mesmo dormente

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Panaceia

Estradas que não levam a lugar algum.
Vitimados, o sol machuca.
Ofuscados, lágrimas secas caem pelo rosto.
Prosseguimos.

Guerras,
fome,
miséria.
Nada de novo.

A vida prossegue a triste sina
entre barrancos e trincheiras,
entre mortos e feridos,
entre cinzas e o sol nublado,
entre o pensar e o esbofetear,
entre o perigo e a invalidez.

Árvores e rios imaginários.
Um barco ao longe dá adeus.
Mas não há rios, não há mar,
muito menos amar.
Não há mais vida.
Para onde iremos?

Um cão passa, não ladra;
uma mulher estende roupa no varal;
um ladrão é aplaudido no telejornal.
Tudo está normal.
Nada de novo.

Camisinha e aspirina.
Aborto e dor de estômago.
Meninos delinquentes.
Escolas e prostíbulos.
Dinheiro e esmola.
Bandido e mendigo.
Nada de novo.

Sabemos pouco do futuro,
mas conhecemos bem o presente.
E o presente é podre.
O passado foi incrédulo,
absurdo,
como o absinto abusivo,
como o Brasil e os retardados,
como o fanatismo em dias de religião,
como a profanação dos ideais.

O absurdo é cotidiano,
é comum,
é familiar.
Somos aburdo.
Nascemos assim.
Morreremos absurdo,
ignorantes,
ignorados,
ignóbeis.

Renasceremos?
Talvez...
em meio a canibais,
em meio a abutres e urubus,
em meio a um lixão,
placentas e fetos,
restos químicos,
restos mortais,
restos de comidas
de que nos alimentaremos...

E virá uma velha, úmida e tímida aurora.

sábado, 16 de julho de 2011

Receita

Rega a flor
deflorada,
despudorada,
sem amor.

Sufoca a dor
com lágrimas,
paixão,
razão.

Rasga o coração,
todas as cartas,
todas as lembranças
que ainda virão.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

PROCISSÃO DOS MORTOS-VIVOS
Um morto passava meio-morto num catre
na rua principal daquela cidade.
A multidão de curiosos acotovelava-se:
"Quem era o pobre-diabo?"
"Era jovem?"
"Tinha amigos?"
"Família? Irmãos, pais, mulher, filhos?..."
"Eu acho que o conhecia..."
"Trabalhava numa repartição pública."

Boatos, fatos, conversas e desconversas.
Ele era só mais um motivo,
um pretexto podre e decadente para atiçar a curiosidade
dos ávidos por mortes e tragédias cotidianas.
"Era só."
"Tentou o suicídio."
"A mulher o traiu."
"Endividou-se com jogatina."
"Engravidou a irmã."
"Era pobre, mas honesto."
"Morava num barraco do outro lado da rua."

O morto não podia ver os rostos
e a tudo ouvia, mas nada podia dizer,
de tantas injúrias e mentiras a seu respeito
nunca poderia se defender.

"Para onde estou indo?"
"Tarsila, onde você está?"
"Cuide das crianças!"
"Pague a fatura atrasada do cartão de crédito
que se encontra na minha gaveta."
"Me perdoe, por favor!"

A vida começa e se dissolve
entre uma noite de sono e o acordar-se novamente no útero,
desta vez repleto de vidros transparentes, consciência e lembranças.
"Sou a novidade, não pelo meu nascimento
mas pela minha hipotética morte."

O sol a pino.
Dores de cabeça intermináveis.
formigamento nos lábios secos.
"Água, pelo amor de Deus! Água!"

Ninguém o ouve.
Ele grita desesperado.

Está aprisionado no seu próprio corpo.
Ninguém nunca o ouvirá.
Nunca

Os boatos, as vozes, os zumbidos se multiplicam.
Corja miserável de curiosos mortos-vivos (ou seriam vivos-mortos?)
e urubus de plantão com um falso ar de pena e compaixão,
mas regozijando no seu íntimo sujo e fétido.

Ponto final.
Uma lágrima lhe escorre pelo rosto paralisado.
Sente seu corpo descer.
Descendo... cada vez mais.
Um baque surdo.
Está morto... mas...
Por que se sente tão vivo?
Por que a maldita cabeça funcionando?
Por que tantas perguntas, tantas angústias, tantos medos?

"Não, não, não... Isto não é um sonho!"

Escuro.
Vazio lá fora,
vazio dentro de si,
vazio, o mundo.

"Frio, sinto frio..."

Um abraço,
uma palavra sincera,
uma mão carinhosa,
um sorriso,
um Deus,
qualquer coisa.

Tudo acabado.
Tudo esquecido.
Ocaso, termo, terra fria, escuro, fim...

Morto
num estado mórbido de catalepsia.
Alguns versos carnais sobre o amor...


Quero, desnudo,
provar o amor nos teus braços, meu amor,
flor do meu jardim,
meu norte, meu início,
meu porto,
meu fim.
…........................................................................................................​......
Enquanto a primavera não vem,
sejas a minha estação de esperança!
Aquece-me com beijos, abraços e amor.
Faze de mim um servo teu,
minha Deusa, minha Vida!
…........................................................................................................​......
Há uma força que emana do teu corpo;
provo, então, do teu beijo
como um pobre-diabo moribundo
no deserto
em busca do oásis.
Sacio-me.
…........................................................................................................​.....
Corpo. Toque. Dedos suaves
deslizam pela pele, pela alma,
pela intimidade, pelos cabelos.
Ah, quero morrer após esta noite
e acordar em um paraíso mundano
habitado somente por nós dois.
Saciamo-nos.
.......….................................................................................................​.....
Calor do amor que devora e sacia
nestes dias frios em que o inverno fez morada;
no entanto, sinto a primavera em minha cama,
há flores e frutos por toda parte
no entrelace dos nossos corpos
que imploram por amar,
amor,
calor,
desabrochar,
na essência de nós.
…........................................................................................................​.....
Puro amor mundano
santo tanto tranço transo transfigurando
pecando inocentemente
provando pairando céus e infernos
gemidos e sussurros
saliva suor secreção
fim-início-fim
incessante
pequena morte
renascendo
em paz.
..........…..............................................................................................​.....
Mundo suspenso
por alguns minutos
conjuntura da criação divina
perpetuada na carne.
Espelhos no olhar eternizados
mortais em êxtase divinizados.
Nós sublimados.
Em oblação o coração.
Em oração o culto pagão.
Abençoados.
Na mente,
eternamente.

terça-feira, 12 de julho de 2011

CLAREAR
Amanhece,
sinto o despertar da aurora
diante dos meus olhos.

Comovido,
sinto uma ternura
inexplicável!...

Vivo,
colho flores,
cantos,
poemas,
e ofereço a ti,
na cama do nosso amor.

Enternecido,
beijo-te os lábios,
ternura em pétalas.

És o sol, a aurora,
o sopro de vida,
o anjo?...

Mulher ou menina,
santa ou pecadora,
juíza ou executora?

És tudo
o que quiseres ser,
pois tens meu coração.

És a vida
a germinar em uma primavera
que ainda virá.

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ROMPER-SE
Quedar-se por medo ou por cautela...
O silêncio incomoda.
Passos são dados,
alguns indecisos.

Caminhamos
por entre anônimos,
buscamos um sorriso,
mas os olhares são frios.

Braços não abraçam
antes se fecham
num mundo inútil.
Círculo vicioso.

Vago na vaga lembrança
de um meio anestésico
para esquecer a dor.

O que nos tornamos
e o que viremos a ser
um dia?

Por ora basta o eu sozinho reprimir-se
na calamidade das almas em escombros,
na iminência da rebelião das ideias
que gritam por libertação.

Mas o silêncio persiste...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Pressa

Temos pressa.
O mundo tem pressa.
Pressa de comer,
pressa de viver,
pressa de ganhar dinheiro,
pressa de ter pressa.

Nascemos com pressa.
E a pressa nos leva à morte
do corpo e da alma,
do nascer e do pôr do sol,
das flores no concreto,
das crianças raquíticas
que caminham sem destino.

Nascemos.
Morremos.
A pressa nos persegue,
nos sufoca,
nos paralisa,
nos faz perder o tempo.

Pressa pelo céu,
por algum deus,
qualquer que seja,
Deus ou Dinheiro,
Doença ou Cura,
Prazer ou Dever,
Ser ou Ter,
Consumo ou Fé,
Doação ou Poder,
Igreja ou Finanças,
Buda ou Javé,
Cristo ou Maomé.

Não importa.
Não interessa.
Não sabemos.

Temos presa
para chegar a lugar nenhum,
para chegar ao fim
mesmo sem começo.

Pressa
que nos desumaniza,
nos martiriza,
nos lança aos leões,
nos torna animais
e nada mais.

Nada mais.
Não mais.
nunca mais.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Entre a luz e a agonia

Pereço
ou padeço?
Pareço
acaso,
ocaso,
opaco.

Perco
ou parco?
Parto-me,
parvo,
pêndulo
pensante.

Agônico
ou atônito?
apático,
imploro
outrora
a aurora.

Pela fresta
uiva o vento
na réstia
inerte
de um sol
caduco.

Seco

Estou seco
poço fundo
sem fundo.

Estou seco
folha jogada
ao vento.

Estou seco
sedento
de vida.

Estou seco
seco
seco.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

À espera

Esperança na noite turbulenta,
à luz cega de lugar algum,
nos lábios roxos,
tímidos sorrisos
como crisântemos
num caixão.

Esperança prometida nos jornais,
jamais lida,
jamais proclamada,
fagulha da incerteza,
feto e flores murchas.

Esperança nos pântanos da alma,
recôndito de mim,
clareiras,
acasos,
silêncio...

À espera
observo
claustrofóbico
o germinar pudico da flor
sem amor.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Alto-mar

ALTO-MAR
Barco em alto-mar
leva meu coração,
leva sonhos,
saudades,
ilusão.

E, ao sol cinza
a se pôr,
traz incerteza,
desânimo
e alguma dor.

Ah!
Deixei minh'alma se afogar
no fundo do mar,
fiz uma prece a Deus
e só me restou o silêncio
a me consolar.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Alguns versos da meia-noite

FRAGMENTOS
Caí de um sonho perfeito
e, sobre o asfalto,
minha vida, num devaneio,
partiu-se em vários eus.

Essência multifragmentada de mim.

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PRÉ-PRIMAVERA
Acordo ou regresso.
Tenho a alma à venda
e flores na sacada.

Sinto a vida cansada
cansar-se de mim.
A saúde debilitada
requer e pede sossego.

Nada me importa,
nada me fascina,
nada me ilumina.

A primavera não virá:
morrerei antes
por entre jasmins
e serafins.

E assim,
renascerei
entre crisântemos
e damas da noite
quase murchas.

A vida parece
um fugir de si mesmo
para a ilha dos sonhos
náufragos
mortos
sem
fim.

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ANTES DO DESPERTADOR
Ai de mim,
minha flor,
deixar-te só
assim
no inverno.

Envolve-me
na cama,
no ninho,
que é só nosso.

Hibernemos,
gozemos
o amor
que sufoca,
liberta
e extasia.


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DEUSA
Profana
engana,
reza
contrito
pelas almas daqueles
que padecem no paraíso.

Pungente olhar,
deusa
que enlouquece
toda minha vida.

Fazei-me gozar,
no inferno,
no paraíso,
no purgatório,
em qualquer lugar.

Após Afrodite
serás Virgem Maria,
ídolo da carne,
devoção dos pagãos
sedentos de amor.