segunda-feira, 16 de março de 2009

Sina


Não sei se tenho caráter;
tenho sido péssimo em tudo:
no trabalho,
em todas as minhas relações,
em todos os projetos,
em todos os versos que tento criar.

Tenho sido um injusto,
um farsante,
um pecador capital,
um ser digno de pena,
desprezível por quem passa e diz:
“Aquele é um pobre diabo!”

Talvez se eu tivesse vivido
nos tempos de Cristo
teria sido perdoado,
teria sido amado,
teria sido ao menos compreendido.

Mas não!
nasci em meio aos lobos,
em meio aos indiferentes
que não quiseram me dar a mão.

Por isso caí
e agora nem ouso mais me erguer;
minha vida é um grande engano,
não mereço respirar o ar que todos respiram,
não mereço nem a menos ser chamado filho do Altíssimo.

Mas não deveria ser eu um bem-aventurado?
Por ser nada, não deveria ganhar o Reino dos Céus?
Talvez a minha soberba seja um empecilho
para herdar as promessas divinas.

Por isso não me iludo;
excomungado e ridicularizado,
permaneço no caminho mais difícil
com a triste sina de ter esperança e fé.

Paulo Avila

Nostalgia


Não quero estar aqui,
não quero estar em lugar nenhum.
Quero a solidão e as ilusões
que colhi no meu jardim.

Estou tão perto de mim,
tão perto de me perder,
tão certo quanto as quimeras
que encontrei pelo caminho.

Faremos bosques e arco-íris
dos sonhos mais bonitos.
das mágoas e dos desastres
deixaremos lições.

Farei de mim alguém mais feliz,
alguém que tem vontade de vencer,
alguém que em algum lugar
esqueceu o sorriso.

Ai de mim se não me disciplinar,
se não mantiver a sanidade,
se não constar prazo de validade,
se me matar de saudade.

Saudade de quem?
Talvez de mim mesmo,
da infância que vivi
e do homem que não me tornei.

Paulo Avila

O canto do cisne

Tanto faz
se chove ou se faz sol,
meu espírito é sempre o mesmo
nublado e angustiado.

Sei tudo sobre tudo o que não sei,
tenho ânsia de mudar,
de transgredir,
de ser melhor.

Mas esbarro sempre em mim mesmo:
Sou meu grande inimigo,
meu algoz, meu impostor,
meu lado mais podre
que se revela como uma flor
na primavera doente.

Decente?
Já deixei de ser.
Espírito sujo e amarrotado
encontrado na sarjeta,
no lixo da consciência humana
mais suja que tudo.

Não faço mais promessas de ser melhor,
nada disso me importa mais.
Assumo toda forma de deficiência
física, moral, psicológica ou espiritual.

Deixe-me ser doente,
discípulo tardio de Augusto dos Anjos
e Álvarez de Azevedo à beira da morte
agonizando no leito de um mal incurável.

(Morto e enterrado em vida.)

Paulo Avila

quinta-feira, 12 de março de 2009

Sob o céu

A tarde cai cinza sobre mim
e meu olhar é triste enquanto caminho sozinho.
Será que todo mundo é feliz nesse mundo
ou sou eu que não consigo me contagiar?

Parece que o mundo não foi feito para mim;
parece que a vida é uma grande festa
e eu entrei por engano sem ser convidado.

Eu nada mais quero, nada mais espero, nada mais almejo.
Apenas o frio do concreto corre em minhas veias
(insensibilidade à prova)
mas não sei por que,
continuo sensível ao extremo.

Apesar de tudo, não choro com frequência,
brinco de me esconder com Deus
e ele nunca me encontra
(acho que ele não quer me encontrar).

(Paulo Avila)

quinta-feira, 5 de março de 2009

Identidade


Acho que todos nós perdemos um pouco do que somos e dos sonhos que um dia cultivamos na alma. Mas, após as decepções e a perda inevitável da inocência, sempre fica algo guardado em algum lugar dentro de nós.

Ser feliz é uma necessidade nossa, e sabemos que podemos ir muito mais além do que acreditamos ser capazes. Ficar preso a um passado que nunca mais voltará não irá nos ajudar em nada; construir algo novo é uma exigência do coração, para que possamos voltar a sonhar e a nos reconhecer novamente. Para resgatarmos novamente o nosso grande tesouro: a nossa identidade.

O sorriso da infância, os sonhos, as aspirações e inspirações estão dentro de nós, como sempre estiveram. E ainda podem despertar.

Depende de cada um de nós. De mais ninguém.

Réu e Vítima


Quem sou e o que penso que sou?
Quem fui e o que virei a ser?
Que fiz eu que me valessem respeito e amizade?

Fui tolo em todos os momentos,
fui leviano e incapaz de suportar minhas culpas
e as culpas de que me responsabilizaram.

A mente tornou-se meu algoz,
lacaio do coração impulsivo e dominador.
Confesso: sou vítima dos meus próprios sentimentos.

Entre labirintos me vejo
buscando uma saída, uma guarita,
um conforto para o corpo cansado.

Os violentos dominam o mundo.
Por que estou então na lama dos indigentes se acusado fui
de tamanha violência e indignidade contra nem sei quem?

Procuro tão-somente o consolo para o abandono,
esse castelo de areia que o tempo espalha
é dá o nome de acaso.

(Paulo Avila)

Renascimento


Queda.
Reerguer os escombros do espírito.
Desvelo ao acaso e infortúnios à solta.

A cada dia um novo lamento,
um novo desejo efêmero,
um novo motivo para se sentir sozinho.

Tornar-se o que os outros querem,
desfigurar a frágil flor
que brotou e murchou.

Amar e desamar,
jogar-se em queda-livre.
Matar-se aos poucos
envenenando o coração.

Sonhar por ser a única liberdade
que não nos podem tirar
enquanto os carrascos do corpo
querem martirizar a alma cicatrizada
pelo tempo, pelo mal incurável
que se alastrou como erva daninha.

Temos um câncer, uma ressaca moral
que nos afeta no sono,
que adormece os sentidos,
que nos corrói aos poucos
em culpa, medo e pesar.

A cura?
O amor, que é consolo para o coração,
que é libertação e renascimento,
dilúvio, fervor e devoção,
fonte divina que não seca jamais,
infinito que se completa com fé, esperança
e dias de paz, cumplicidade e gratidão.

(Paulo Avila)

Ecos


Abaixo de mim
o céu desmascarado.
O meu olhar magoado
parece hipnotizado.

Anseio por dúvidas,
tenho desejos de eternidade.
Pela estrada finita por onde caminho
Somente quimeras, desvalores e tardia puberdade.

Parece que há tempo demais para colher ilusões,
tempo demais pelo que ainda não se plantou,
amores demais que não prosperaram,
cantos fúnebres que ninguém cantou.

E a canção persiste...
Na mente, no ar ou no coração?
Ninguém sabe, ninguém vê, ninguém ouve.
Talvez sejam apenas ecos do silêncio e da desilusão.

(Paulo Avila)

Pós-Guerra de mim


Tenho razões para ser eu mesmo
Ser folha em branco ou tinta nanquim
Desmedido por natureza
Desmentido até ao fim.

Tenho provas suficientes
Para querer com furor
Para morrer de amor
Para sonhar com rigor.

Tenho dias de paz
E dias de guerra
Tenho demônios na mente
E anjos à minha espera.

(Paulo Avila)

Casualidades


Durmo tarde e acordo cedo,
cansado de mim e de tudo que me deixa desanimado.
Tenho crises de melancolia crônica
e transpiro mais que o normal à noite.

Acho que vou morrer a qualquer hora,
acho que vou ter que trabalhar muito mais
para ter que pagar todas as minhas dívidas.
Acho que o futuro não existe,
mas existem as possibilidades que criamos ou desperdiçamos
e chamamos de destino.

Nunca sei quando vai chover,
nunca sei quando meu espírito está ensolarado
pois me acostumei às trevas que visitam a minha vida.

Mas é só de vez em quando:
Tenho dias floridos e noites serenas,
tenho um amor que me dá tranquilidade e esperanças,
tenho uma vida inteira para viver.

Até quando? Não sei.
Apenas continuo vivendo até quando puder.

(Paulo Avila)

terça-feira, 3 de março de 2009

Despertar


Gritei
no fundo do meu silêncio.

A poesia,
como torrente,
tempestade,
vendaval
acordou em mim.

Ressuscitei na quaresma.

(Paulo Avila)

Jazigo


Descansei à sombra de um sonho,
desperto,
com um sorriso triste.

Tudo se foi,
tudo deixou marcas:
todo desgosto
e as promessas tristes
impossíveis de cumprir.

Um fato
destruído,
mutilado,
abandonado,
aprisionado.

Um aceno
que se vai pelo tempo
reprimido,
acotovela-se
por entre uma platéia
sedenta de sangue.

Afinal, morri
mas ainda me sinto quase vivo.

(aqui jaz o sonho irrealizável)

(Paulo Avila)

Caminho solitário


Cai a sombra sobre mim
e meus olhos marejados de lágrimas
são o meu único consolo.

O vento sopra suas histórias tristes
como um doce lamento,
enquanto a vida produz mazelas
à luz do dia.

Somente dúvidas e lamentos.
Pela estrada, ando cabisbaixo
à procura de algo
que ainda não sei.

À procura de mim
e dos sonhos que lancei fora
sem motivo aparente.

Destinado à dor
seguirei o destino que escolhi
enquanto flores murchas pelo caminho
serão o meu jardim.
(Paulo Avila)