terça-feira, 31 de maio de 2011

Reflexões da alma

Espectro triste de mim,
eu transfigurado,
estado da alma.

Ilusões infindas,
timidez incessante,
amarguras e agruras.

Dias que se repetam,
um arco-íris
em pleno inverno sem chuva.

Mais uma ilusão
ou são meus olhos de quimera
na madrugada febril como gelo?

Ultrapassado o limite
entre o real e o auto-sustentável,
sobrou o meu coração esquecido na estrada.

Sou um tolo, eu sei,
ouvindo tragédias e canções tristes
para me esquecer de mim.

Mas no fundo
é tudo uma forma
de me encontrar novamente.

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Antes que a madrugada perca o brilho da aurora,
antes que o dia vire lixo sem motivo aparente,
perca-se na lápide dos sonhos tortos e esquecidos
sem uma flor jogada por amor ou amizade.

Quantos caminhos deixamos de percorrer
por medo e ausência de coragem,
esperança ou Deus...

Quantos deuses há em mim!...
Como eu poderia ser forte
sem os dogmas de minha criação tradicional.
Ah! quero os riscos, os pecados, o pecado original,
quero o mundano correndo em minhas veias!...

Quanta poesia há no sem saber do universo,
quanta quimera há no caminho largo,
quanto desejo se foi por insegurança!

Dói a vida em silêncio (que grita, que agoniza, que quer ser viva!),
uma vida que cose na cadeira de balanço no alpendre
esperando pelo pôr do sol que nunca se vai.
(É um dia que agoniza sem fim.)

Não, não, não, não...
Nunca se vai.
(Oh, infortúnios da solidão!)

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Agenda tua morte,
mas antes rasga tuas cartas, teus escritos,
incinera teus pertences, tuas lembranças.

Vê que o tempo passa num segundo,
e as pegadas foram levadas pela ressaca,
pela ausência da benevolência...

Onde estou?
Jurei por Deus nunca mais perguntar,
mas nunca fui tão religioso assim.

Quero voar, ser levado pelo vento,
pelas lembranças,
perder-me de mim.

Quero a liberdade
dos escravos pós-abolição,
quero a virgindade do futuro impuro.

Calem as vozes na minha mente,
sosseguem no peito essa opressão,
amanhã virá o sol.

E se não voltar
o que faremos então?
Faremos da luz vida nova?

Ressurgiremos
após a tempestade inventada 
pela bruma leve da ilusão proibida.

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Péssimo dia para se morrer de poesia,
para ficar num canto em solidão,
quando se pode inventar um céu,
inventar um Deus só para si.

Lágrimas são rios que logo secam
em olhos já incrédulos.
Sinto pena.
A mão trêmula.
As palavras que escapam,
vacilam,
duvidam de si,
fingem ser música,
ferem a alma.

A alma... ah! a alma!...
seca e amarrotada,
embalada pelos momentos vãos,
pelos imortais,
pelos poetas,
pelo consolo,
pelo abrigo,
pela maldição
de querer e não poder ser
poeta
e sua vida traduzir-se
em versos livres e brancos,
rebeldes,
libertos da austeridade
da métrica e dos ritmos.

Por isso sigo arrítmico,
errante por escolha,
anjo,
demônio,
vendaval
que destrói telhados
e cabelos de moças vaidosas.

Ah, sou alma e coração
a pulsar pelos ditosos descaminhos,
preso à minha alma gêmea,
único consolo pós-ventre,
âmago,
deusa,
anjo.

Oh, Deus!
Revela-te pela poesia,
liberta-me da agonia,
sem freios e teologia,
num culto pagão à flor.

A flor...
debilidade do poeta tuberculoso
em tempos pós-modernos.

A vida me sorri:
este é um grande dia.
Ergo-me capaz e renovado.
(Um avião sem direção cruzou o horizonte
em queda livre contra meu destino.
Ah! Quanta vida útil eu poderia ter sentido
em minhas entranhas!...)

Talvez amanhã
recolham-se os restos,
façam remendos
da vida.

Talvez amanhã
ou depois de amanhã
amanheça
(maldita agonia,
santa ansiedade),
num futuro do pretérito sem fim,
em mim.

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