segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Lembranças de Cássia (Capítulo III)


III

– Pare de gritar, Cássia! Você está me irritando!
Sandra aproximou-se de sua filha e a segurou pelo braço. Cássia continuava a chorar desesperada à medida que as trovoadas tornavam-se cada vez mais constantes.
– Eu já disse, Cássia! – continuou Sandra a reprimir a filha. – Pare com esse escândalo idiota. É só uma chuva, droga! Não é o fim do mundo!
– Estou com medo, mamãe!
– Medo não sei de quê! Uma menina com nove anos de idade e com medo de chuva! Só me faltava essa agora!
Sandra empurrou a menina, fazendo-a sentar-se no sofá. Afastou-se e se encaminhou para a cozinha. Cássia sentiu-se ameaçada pela escuridão assustadora e pelas trovoadas que não se calavam. Tremia de medo e já nem mais ousava gritar.
Dois minutos depois, sua mãe retornou com uma vela acesa sobre um pires azul. Cássia abriu a boca assombrada, sem emitir som algum. Por trás da chama, o rosto de sua mãe parecia deformado; a sua sombra na parede era como a silhueta de um monstro agressivo e prestes a atacar.
Cássia deu um grito desesperado e pôs as mãos no rosto. Não queria mais ver nada.
Sandra deu-lhe algumas palmadas. Nunca fora uma mãe carinhosa. Não era da sua natureza ser mãe. Na verdade, nunca quisera ter filho algum, mas seu esposo Eduardo sempre sonhara em ter um filho e, para não o contrariar, decidira-se por finalmente engravidar.
O que Eduardo não esperava era o fato de ter nascido uma menina. O seu sonho era ter um menino para levá-lo aos jogos de futebol e o ensinar várias coisas que só os meninos sabiam fazer.
Apesar da sua insistência, Sandra recusara-se a engravidar novamente. Uma filha já era o suficiente. Um casal de filhos? Nem pensar!
Eduardo teve que se acostumar com a idéia de ter apenas uma filha. Nunca teria um filho. Nunca.
Ignorante a esses fatos, Cássia crescera dentro de um ambiente pouco acolhedor, indiferente à sua presença. Era como ela fosse um estorvo, um bibelô jogado num canto da sala, um velho animal de estimação que era alimentado regularmente.
Como seria bom se a sua mãe, de vez em quando , pudesse abraçá-la com carinho, como faziam as mães de seus amigos!... Ela só sabia dirigir-se à Cássia para repreendê-la de alguma coisa sem importância.
“Arrume seu quarto, Cássia! Não seja irresponsável e relaxada!”
“Não coma com os cotovelos sobre a mesa!”
“Não fale perto dos adultos!”
“Não corra pela casa!”
“Pare de chorar! Você não é mais uma criancinha!”
tudo isso deixava a menina muito triste. Se ao menos o pai lhe desse atenção...
Mas ele chegava tarde do trabalho e só pensava em ficar diante da televisão assistindo ao telejornal e aos jogos de futebol. Era sempre assim.
Como a sua mãe também trabalhava – os adultos só pensavam em trabalho! –, Cássia ficava durante todo o dia com uma babá, a Elaine, que a levava ao colégio, preparava suas refeições e lhe fazia companhia. Era alta, branca, cabelos ruivos e curtos, muito bonita. Passava o dia inteiro telefonando para as suas amigas e para o seu namorado. Quando não, só penava em ver televisão. Nunca dava atenção à Cássia, que tentava agradá-la de todas as formas oferecendo-lhe algum doce ou fruta, conversando sobre algum programa de televisão ou propondo um passeio ao shopping. Elaine, no entanto, ignorava-a por completo. Era uma jovem de dezoito anos. O que suas amigas e seu namorado diriam se a vissem passeando com uma criança estúpida?
Por isso, Cássia passava a tarde inteira em seu quarto sem nada para fazer, tão logo chegasse do colégio, tomasse banho e almoçasse. Sua maior diversão era quando brincava de boneca ou quando seus amiguinhos iam vê-la.
Sua maior tristeza até então fora o dia em que seus pais, certa noite, chegaram em casa felizes e comemorando: eles haviam comprado um apartamento e não precisariam mais pagar aluguel. Escondida atrás da porta, Cássia ouvia tudo e um parto no coração machucou-a fundo: iria para longe dos seus amigos. Iria para longe de Marcos. Era terrível!
Eduardo estourou um champanhe e soltava urros de alegria, enquanto Sandra aplaudia efusivamente.
Ouvindo a conversa dos dois, Cássia descobriu que o apartamento ficava do outro lado da cidade. Seus pais (e muito menos Elaine) nunca a levariam para visitar seus amigos. Estava perdida.
Uma idéia maravilhosa veio-lhe à mente: fugiria! Sim, fugiria! E seus pais nunca iriam vê-la novamente.
Com esse pensamento adormeceu no chão do corredor, encostada na parede próxima à porta da sala.
(continua cap. III)

2 comentários:

___Psiquê___ disse...

Aguardo o resto do capítulo!!! Não demore!!! E se possível, coloque o livro todo, ok??? *rs*

Paulo Avila disse...

Você pode comprar o livro agora com um precinho especial pra vc! Rsrsrs